Ela
correu, e correu mais do que imaginava poder, mais do que seu coração podia
pulsar. Queria se refugiar em algum lugar, o mais distante possível. Mas nenhum
lugar era longe o suficiente, era bom o suficiente, nem mesmo dentro de si
mesma, ali somente o caos.
Ela
então correu porque era a única coisa que lhe restava fazer e porque assim
sentia um pequeno alivio, uma ilusória sensação de que tudo iria passar.
Não
passou e ela continuou correndo.
A
vida nem sempre é justa, ela pensava, o que ela não imaginava é que pudesse ser
responsável por tudo que lhe acontecia.
Afinal
fora ela quem decidira mudar de cidade, buscar uma nova vida, crescer
profissionalmente e bem longe de suas raízes.
Não
que se envergonhasse de onde vinha, mas 31 anos vivendo no mesmo lugar já era o
suficiente, para alguém que planejava viajar o mundo, viver uma vida livre, ser
livre.
Foi
na sua festinha surpresa de aniversário de 31 anos, que ela resolveu dar uma guinada
na sua vida. A festa foi toda preparada por sua mãe, que acreditava estar
fazendo um grande bem para a filha, que andava muito cabisbaixa nos últimos
tempos, desde que terminara mais um de seus relacionamentos. Ela sabia que as
intenções de sua mãe eram boas, mas aquilo a fez se sentir uma solteirona encalhada
e só piorou a forma como se sentia. Resolveu ali mesmo, na hora em que todos
cantavam parabéns que iria se mudar, apagou as velas e no seu íntimo fez este
pedido de aniversário, que ela tivesse um novo começo.
Ali
correndo, sem parar lembrou desse pedido, e também lembrou de uma frase que sua
avó sempre dizia quando ela era criança ‘cuidado com o que você deseja um anjo
pode passar e dizer amém’. Talvez tenha sido assim naquele aniversario, um anjo
passou e disse amém. Mas ele não entendeu bem o que ela desejou, ela resmungava.
Melissa
chegou próxima dos limites da pequena cidade, que agora era seu lar. Na verdade
nunca sentiu-se em casa ali, muito menos um lar. Sempre faltava algo, como
sempre se sentiu em sua vida, sempre parecia que faltava algo, por isso mesmo
que algo de bom acontecesse não era o suficiente, porque sempre faltava algo.
Mas ela não sabia o quê.
Assim,
que se viu nos limites da cidade ela finalmente parou.
Não
sabia ao certo para onde ir. Não sabia o que fazer, só não queria mais estar
ali, ficar ali, ser quem era, queria algo novo, de novo. Queria sumir, se fosse
possível, mas sabia que não era, tentou por diversas vezes, em sua vida, sumir,
mas nunca deu certo. As vezes essas tentativas só pioravam tudo e ela se sentia
ainda mais exposta.
Ali,
mais uma vez sendo obrigada a se decidir, ela parou.
Por
que era tão difícil decidir, porque era tão complicada assumir algo, se
responsabilizar por uma decisão e seguir em frente com todas as consequências,
que essa decisão trouxessem, fossem boas ou ruis.
Melissa,
então se lembrou que a algum tempo atrás, uma colega do trabalho, havia
oferecido um chalé que pertencia a sua família, para que passasse suas férias,
na época recusou, não via graça em se isolar do mundo em plena férias, no meio
do mato ainda por cima. Mas ali, naquela encruzilhada que encontrava-se sua
vida esse parecia ser o melhor lugar do mundo.
Melissa
procurou por seu celular no bolso da calça, ligou para tal colega e inventou
uma desculpa qualquer. A colega sem suspeitar de nada, lhe deu a localização da
casa e disse que a chave ficava escondida atrás de um vaso de flores que ficava
ao lado do chalé. Melissa agradeceu e se dirigiu a seu pequeno apartamento.
Lá
pegou algumas peças de roupas, e outras coisas que considerou serem úteis,
apesar de nunca ter sequer acampado, imaginou o que seria útil no meio do nada.
Também pegou comida e por fim sem saber o porquê, pegou um livro que ganhara de
presente de seu pai no seu aniversário, aquela tal dos 31, que nunca sequer
abriu, e partiu. Trancou o apê e não olhou para trás. Pegou o caminho, a pé
mesmo, para o tal chalé.
No
caminho achou que seria melhor deixar um recado para seus pais caso ligassem
iriam se preocupar e se não tivessem notícias suas logo, colocariam toda a polícia
da cidade, e de outras vizinhas atrás dela. Ligou e deixou um recado na caixa
postal. Era tarde e eles com certeza estavam dormindo.
O
tal chalé não era tão perto quanto ela pensou, na verdade não conhecia tão bem,
aquela parte afastada da cidade, fizera algumas trilhas com colegas do trabalho
uma ou duas vezes, mas sempre com algum colega mais experiente junto, o que
permitia que não precisasse se preocupar com o caminho e pudesse curtir melhor
a paisagem. E sempre voltavam no mesmo dia. Por isso aquele caminho a noite,
era muito sombrio e estranho para ela.
Mas
agora não dava para desistir. Não iria olhar ou voltar a atrás.
Depois
de muitas horas de caminhada, de se perder algumas vezes e com o sol raiando
ela finalmente achou o lugar.
Não
era tão distante quanto imaginou da cidade, mas dali já não se ouvia nenhum
barulho comum de uma grande cidade. Ali só o barulho dos pássaros das arvores
mexendo seus galhos com a brisa da noite que ainda repercurtia nas primeiras
horas do dia.
Procurou
a chave e a encontrou exatamente onde a amiga falara. Abriu a porta e entrou,
um pouco receosa, pois temia encontrar algum visitante inesperado. Não se dava
muito bem com animais de nenhum tipo, e tinha horror de insetos, sempre tivera
pavor de insetos, desde criança, era um tormento, para quem sempre morou perto
de arvores e campos abertos. Quando se mudou para a cidade grande, foi um
alivio. Quanto a plantas e outros tipos de vegetações, até gostava, mas nada
crescia em suas mãos, conseguira matar até um pequeno cacto que comprara uma
vez no mercado.
Entrando
no chalé, após ter certeza de que estava vazio, apenas alguns dos temidos
insetos para expulsar, ela finalmente começou a se organizar. Limpou a cozinha
o quarto e o banheiro e por último a salinha que dava para uma varanda, tudo
bem pequeno mas aconchegante.
Melissa
então fez um chá, tomou e foi se deitar um pouco, passara a noite em claro
caminhando, angustiada, seu corpo estava exausto, sua mente já não raciocinava.
Quando
acordou já era noite novamente, fez um pouco de sopa para comer, e depois de um
banho quentinho ela tomou um prato de sopa sentou-se na sala olhando para a
parte de fora do chalé e comeu com muito gosto. Estava faminta.
O
chalé apesar de distante tinha um sistema de bombeamento de agua de um rio que
corria próximo, e a energia vinha de um gerador muito bem instalado e rebuscado
que ficava no fundo da casa, ela sabia que sua colega vinha de uma família
classe média alta da região, mas aquele sistema todo contrastava com o chalé rústico
e pequeno, mas muito aconchegante.
Resolveu
voltar para cama novamente, tentar dormir mais um pouco e amanhã, bom não sabia
o que fazer no dia seguinte, mas também não queria pensar nisso agora.
Quando
acordou, Melissa ainda angustiada resolveu ler o livro que ganhou de seu pai. Passou
a manhã toda lendo, leu do começo ao fim, não conseguia parar de ler e a cada página,
chorava, sorria, recordava, e somente ao final desta leitura ela pode
finalmente respirar aliviada.
O
livro que fora um presente, era na verdade um diário de seus pais, nele eles anotavam
toda a infância de Melissa, cada fase de seu crescimento, cada momento de sua
vida, cada choro, cada queda, cada conquista, cada sorriso, estavam ali
descritos, todos os grandes momentos e os pequenos também, tudo descrito da
forma mais amorosa possível, com amor, com carinho, com devoção. Sem rancor,
sem mágoa, nem mesmo quando ela era malcriada, os xingava ou fazia birras, tudo
perdoado, somente ficou guardado ali o amor.
Seus
pais deixaram ali registrado as memórias que poderiam um dia ser esquecidas e
ler aquilo, sentir todo aquele amor em palavras a fez entender o que precisava.
Com amor, aquele amor, poderia resolver seus problemas, com amor poderia
retornar e encarar o que era tão difícil. Estava grávida, e o pai de seu filho
não queria saber mais dela ou do bebê, sentiu-se só, teve medo, pensou em fazer
besteiras, mas agora não mais, lembrou do amor de seus pais e decidiu voltar e
recorrer ao amor: de seus pais, de seus verdadeiros amigos e o amor por si
mesma que neste exato momento começava a se dividir com aquele pequeno ser
dentro dela.
O
amor renova, reconstrói, dá forças e é capaz de gerar vidas.
Melissa
pegou suas coisas e decidiu voltar, mas não para sua casa, iria buscar o amor,
pedir ajuda a quem sempre a amou e ela nunca deu o verdadeiro valor, iria para
seu porto seguro a casa de seu pai e de sua mãe. Voltar ao lar para recomeçar
uma nova vida.
E
de mochila nas costas e esperança no coração. Ela seguiu em frente, em busca do
amor.
Olá, Patty. Tudo bem?
ResponderExcluirComo não se identificar com a Melissa. Todo esse sentimento complexo presente nela, quem nunca passou por isso. Adorei o texto, você escreve muito bem. Há uma sensibilidade muito grande em cada palavra.
Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/
Obg pelas palavras Renato, agradeço o carinho. E continue seguindo o Blog.
ExcluirAbçs
Oi Patty!
ResponderExcluirVi sua postagem lá no Interative-se e vim conferir!
Achei a ideia geral do conto bem legal e a personagem principal, Melissa, tem potencial.
Vi alguns deslizes pequenos de pontuação e repetição de palavras que, dando mais umas lidas dá para você acertar e acho que para o primeiro conto ficou bem legal.
A mensagem que você quis transmitir, sobre confiar na família e naqueles que amamos é super bonita.
xoxo
Rê
Obg Rê agradeço os toques.
ResponderExcluirAbçs