terça-feira, 24 de janeiro de 2017

CONTO: A Garota e o Chalé





Ela correu, e correu mais do que imaginava poder, mais do que seu coração podia pulsar. Queria se refugiar em algum lugar, o mais distante possível. Mas nenhum lugar era longe o suficiente, era bom o suficiente, nem mesmo dentro de si mesma, ali somente o caos.
Ela então correu porque era a única coisa que lhe restava fazer e porque assim sentia um pequeno alivio, uma ilusória sensação de que tudo iria passar.
Não passou e ela continuou correndo.
A vida nem sempre é justa, ela pensava, o que ela não imaginava é que pudesse ser responsável por tudo que lhe acontecia.
Afinal fora ela quem decidira mudar de cidade, buscar uma nova vida, crescer profissionalmente e bem longe de suas raízes.
Não que se envergonhasse de onde vinha, mas 31 anos vivendo no mesmo lugar já era o suficiente, para alguém que planejava viajar o mundo, viver uma vida livre, ser livre.
Foi na sua festinha surpresa de aniversário de 31 anos, que ela resolveu dar uma guinada na sua vida. A festa foi toda preparada por sua mãe, que acreditava estar fazendo um grande bem para a filha, que andava muito cabisbaixa nos últimos tempos, desde que terminara mais um de seus relacionamentos. Ela sabia que as intenções de sua mãe eram boas, mas aquilo a fez se sentir uma solteirona encalhada e só piorou a forma como se sentia. Resolveu ali mesmo, na hora em que todos cantavam parabéns que iria se mudar, apagou as velas e no seu íntimo fez este pedido de aniversário, que ela tivesse um novo começo.
Ali correndo, sem parar lembrou desse pedido, e também lembrou de uma frase que sua avó sempre dizia quando ela era criança ‘cuidado com o que você deseja um anjo pode passar e dizer amém’. Talvez tenha sido assim naquele aniversario, um anjo passou e disse amém. Mas ele não entendeu bem o que ela desejou, ela resmungava.


Melissa chegou próxima dos limites da pequena cidade, que agora era seu lar. Na verdade nunca sentiu-se em casa ali, muito menos um lar. Sempre faltava algo, como sempre se sentiu em sua vida, sempre parecia que faltava algo, por isso mesmo que algo de bom acontecesse não era o suficiente, porque sempre faltava algo. Mas ela não sabia o quê.
Assim, que se viu nos limites da cidade ela finalmente parou.
Não sabia ao certo para onde ir. Não sabia o que fazer, só não queria mais estar ali, ficar ali, ser quem era, queria algo novo, de novo. Queria sumir, se fosse possível, mas sabia que não era, tentou por diversas vezes, em sua vida, sumir, mas nunca deu certo. As vezes essas tentativas só pioravam tudo e ela se sentia ainda mais exposta.
Ali, mais uma vez sendo obrigada a se decidir, ela parou.
Por que era tão difícil decidir, porque era tão complicada assumir algo, se responsabilizar por uma decisão e seguir em frente com todas as consequências, que essa decisão trouxessem, fossem boas ou ruis.
Melissa, então se lembrou que a algum tempo atrás, uma colega do trabalho, havia oferecido um chalé que pertencia a sua família, para que passasse suas férias, na época recusou, não via graça em se isolar do mundo em plena férias, no meio do mato ainda por cima. Mas ali, naquela encruzilhada que encontrava-se sua vida esse parecia ser o melhor lugar do mundo.
Melissa procurou por seu celular no bolso da calça, ligou para tal colega e inventou uma desculpa qualquer. A colega sem suspeitar de nada, lhe deu a localização da casa e disse que a chave ficava escondida atrás de um vaso de flores que ficava ao lado do chalé. Melissa agradeceu e se dirigiu a seu pequeno apartamento.
Lá pegou algumas peças de roupas, e outras coisas que considerou serem úteis, apesar de nunca ter sequer acampado, imaginou o que seria útil no meio do nada. Também pegou comida e por fim sem saber o porquê, pegou um livro que ganhara de presente de seu pai no seu aniversário, aquela tal dos 31, que nunca sequer abriu, e partiu. Trancou o apê e não olhou para trás. Pegou o caminho, a pé mesmo, para o tal chalé.
No caminho achou que seria melhor deixar um recado para seus pais caso ligassem iriam se preocupar e se não tivessem notícias suas logo, colocariam toda a polícia da cidade, e de outras vizinhas atrás dela. Ligou e deixou um recado na caixa postal. Era tarde e eles com certeza estavam dormindo.
O tal chalé não era tão perto quanto ela pensou, na verdade não conhecia tão bem, aquela parte afastada da cidade, fizera algumas trilhas com colegas do trabalho uma ou duas vezes, mas sempre com algum colega mais experiente junto, o que permitia que não precisasse se preocupar com o caminho e pudesse curtir melhor a paisagem. E sempre voltavam no mesmo dia. Por isso aquele caminho a noite, era muito sombrio e estranho para ela.
Mas agora não dava para desistir. Não iria olhar ou voltar a atrás.
Depois de muitas horas de caminhada, de se perder algumas vezes e com o sol raiando ela finalmente achou o lugar.
Não era tão distante quanto imaginou da cidade, mas dali já não se ouvia nenhum barulho comum de uma grande cidade. Ali só o barulho dos pássaros das arvores mexendo seus galhos com a brisa da noite que ainda repercurtia nas primeiras horas do dia.
Procurou a chave e a encontrou exatamente onde a amiga falara. Abriu a porta e entrou, um pouco receosa, pois temia encontrar algum visitante inesperado. Não se dava muito bem com animais de nenhum tipo, e tinha horror de insetos, sempre tivera pavor de insetos, desde criança, era um tormento, para quem sempre morou perto de arvores e campos abertos. Quando se mudou para a cidade grande, foi um alivio. Quanto a plantas e outros tipos de vegetações, até gostava, mas nada crescia em suas mãos, conseguira matar até um pequeno cacto que comprara uma vez no mercado.
Entrando no chalé, após ter certeza de que estava vazio, apenas alguns dos temidos insetos para expulsar, ela finalmente começou a se organizar. Limpou a cozinha o quarto e o banheiro e por último a salinha que dava para uma varanda, tudo bem pequeno mas aconchegante.
Melissa então fez um chá, tomou e foi se deitar um pouco, passara a noite em claro caminhando, angustiada, seu corpo estava exausto, sua mente já não raciocinava.
Quando acordou já era noite novamente, fez um pouco de sopa para comer, e depois de um banho quentinho ela tomou um prato de sopa sentou-se na sala olhando para a parte de fora do chalé e comeu com muito gosto. Estava faminta.
O chalé apesar de distante tinha um sistema de bombeamento de agua de um rio que corria próximo, e a energia vinha de um gerador muito bem instalado e rebuscado que ficava no fundo da casa, ela sabia que sua colega vinha de uma família classe média alta da região, mas aquele sistema todo contrastava com o chalé rústico e pequeno, mas muito aconchegante.
Resolveu voltar para cama novamente, tentar dormir mais um pouco e amanhã, bom não sabia o que fazer no dia seguinte, mas também não queria pensar nisso agora.
Quando acordou, Melissa ainda angustiada resolveu ler o livro que ganhou de seu pai. Passou a manhã toda lendo, leu do começo ao fim, não conseguia parar de ler e a cada página, chorava, sorria, recordava, e somente ao final desta leitura ela pode finalmente respirar aliviada.
O livro que fora um presente, era na verdade um diário de seus pais, nele eles anotavam toda a infância de Melissa, cada fase de seu crescimento, cada momento de sua vida, cada choro, cada queda, cada conquista, cada sorriso, estavam ali descritos, todos os grandes momentos e os pequenos também, tudo descrito da forma mais amorosa possível, com amor, com carinho, com devoção. Sem rancor, sem mágoa, nem mesmo quando ela era malcriada, os xingava ou fazia birras, tudo perdoado, somente ficou guardado ali o amor.
Seus pais deixaram ali registrado as memórias que poderiam um dia ser esquecidas e ler aquilo, sentir todo aquele amor em palavras a fez entender o que precisava. Com amor, aquele amor, poderia resolver seus problemas, com amor poderia retornar e encarar o que era tão difícil. Estava grávida, e o pai de seu filho não queria saber mais dela ou do bebê, sentiu-se só, teve medo, pensou em fazer besteiras, mas agora não mais, lembrou do amor de seus pais e decidiu voltar e recorrer ao amor: de seus pais, de seus verdadeiros amigos e o amor por si mesma que neste exato momento começava a se dividir com aquele pequeno ser dentro dela.
O amor renova, reconstrói, dá forças e é capaz de gerar vidas.
Melissa pegou suas coisas e decidiu voltar, mas não para sua casa, iria buscar o amor, pedir ajuda a quem sempre a amou e ela nunca deu o verdadeiro valor, iria para seu porto seguro a casa de seu pai e de sua mãe. Voltar ao lar para recomeçar uma nova vida.
E de mochila nas costas e esperança no coração. Ela seguiu em frente, em busca do amor.
 

4 comentários:

  1. Olá, Patty. Tudo bem?
    Como não se identificar com a Melissa. Todo esse sentimento complexo presente nela, quem nunca passou por isso. Adorei o texto, você escreve muito bem. Há uma sensibilidade muito grande em cada palavra.

    Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. Obg pelas palavras Renato, agradeço o carinho. E continue seguindo o Blog.
      Abçs

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  2. Oi Patty!
    Vi sua postagem lá no Interative-se e vim conferir!
    Achei a ideia geral do conto bem legal e a personagem principal, Melissa, tem potencial.
    Vi alguns deslizes pequenos de pontuação e repetição de palavras que, dando mais umas lidas dá para você acertar e acho que para o primeiro conto ficou bem legal.
    A mensagem que você quis transmitir, sobre confiar na família e naqueles que amamos é super bonita.
    xoxo

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